sábado, 24 de setembro de 2011

O que é essencial a todos?


                                         Gustavo Barreto

    "O homem é essencialmente um ser de cultura", argumeta o professor Denys Cuche, da universidade Paris V. A cultura é um campo do conhecimento humano que nos permite pensar a diferença, o outro e dar um fim às explicações naturalizantes dos comportamentos humanos. As questões étnica, nacional e de gênero, por exemplo, não podem em hipótese alguma ser observadas em seu "estado bruto". É o caso da relação homen-mulher, cujas implicações culturais são mais importantes do que as explicações biológicas.
    E por que se faz importante fazer esta breve introdução, na questão da ideia do Vale-cultura, laçada pelo Governo Federal e atualmente em discussão com os atores sociais da área? Porque urge que nossa legislação passe por uma transformação, dado que a principal lei do setor está defasada (é de 1991) e é insuficiente para os desafios atualmente expostos.
    O conceito de "cultura" é tão reivindicado quanto controverso. Ouvimos esta palavra dieriamente, para os mais diversos usos: cultura política, cultura religiosa, cultura empresarial. Também serve para complexificar e amparar um debate sobre um tema difícil ("isso é cultura), para finalizá-lo ("não tem jeito, isso é cultura") ou gerar preconceito contra um grupo social ("o povo não tem cultura"). São múltiplos os usos.
    Está claro que incentivar as manifestações culturais de um povo é condição indispensável para seu desenvolvimento. É certo que este instrumento deve atingir um de seus principais objetivos: a desconcentração regional e a democratização do acesso a produtos culturais,. A simples injeção de R$600 milhões por mês no mercado cultural, podendo atingir 12 milhões de brasileiros, já é um grande benefício.
    O curioso na iniciativa do Governo, que já tramita no Congresso desde 2006, é a questão tardiamente (e fatalmente) gerada para reflexão: o que é essencial para todos? se o trabalhador possuir o Vale-Transporte e o Vale-Alimentação, por que não possuir o Vale-cultura? Este debate - e o debate é justamente este - gera reações ainda mais curiosas.
    A mais risível é a que ataca a proposta como "dirigista", afirmando que o tempo do dirigismo cultural já acabou em todo o mundo. Uma simplificação melancólica e uma inverdade: governos de países que alcançaram bons índices de desenvolvimento humano investem muito mais na cultura do que o Brasil.Os ataques têm nome: são os mesmos que falam em "alta cultura" e compõem as velhas oligarquias deste setor, pois concentram por muito tempo a exclusividade dos "negócios" da cultura. Alguns chegam a duvidar da "qualidade estética" dos produtos culturais a serem consumidos.
    Estão claros os inimigos deste discurso conservador: o trabalhador, que passa a ser progressivamente um crítico de cultura, e as manifestações da cultura popular - ora atacada, por exemplo, por meio da restrição à cultura do funk carioca.
    A aprovação do Vale-cultura será um passo importante, dentro de uma longa caminhada, para a inserção de milhões de brasileiros no universo privilegiado da cultura local, regional e nacional.



Jornal do Brasil, 18/07/2009; e Fazendo Média (www.fazendomedia.com.br/?p=268), 26/07/2009.


                                         Postado por: Patrícia Mayara Cavalin
                                                               Roseli Moreira Teixeira

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